sexta-feira, 20 de julho de 2012

Epifânia da Varanda

Leitores, vocês sabem, por acaso o que é uma varanda? Uma pequena extensão do piso, que vai além das paredes de uma casa? Geralmente cercada por uma cerquilha ou mureta? Talvez... Mas ninguém sabe o que é a varanda, além de mim e um certo alguém. Se sabe, na verdade pensa que sabe. Pois no fundo, nem mesmo nós sabemos do que se trata...

Algumas vezes temos a sensação de que não passou de um sonho que tivemos juntos... Ou melhor, ao mesmo tempo... Não temos certeza se não é uma lembrança real, de algum tempo além das vidas, quase na eternidade, onde nos encontramos em um lugar virtual, que criamos de acordo com a nossa vontade.

Sabemos apenas que estivemos lá. E que ninguém além de nós dois, jamais colocou um só pé, real ou imaginário, naquele lugar sagrado. E também que nunca nos vimos pessoalmente, em qualquer lugar, no tempo ou no espaço, além daquela pequena varanda.

Mas vou descrevê-la, para vocês.

Não é muito larga... Cabe, no máximo, as minhas pernas esticadas, quando resolvo sentar recostado na parede, perto da porta... porta esta, que está sempre à minha direita, e atrás de mim. Além dessa porta, existe o vazio... O mesmo vazio que existe entre duas faces de um portal bidimensional. E além desse vazio, uma realidade que sempre parece a ficção, quando eu volto da minha realidade paralela. Quando eu olho para além da varanda, vejo um mundo mutante. Hora são árvores de um bosque distante, hora são apenas estrelas... E em algumas ocasiões, é o vaco. Quando quero, sento na cadeira de balanço, que não está lá, quando não estou sentado nela... Se eu preferir, tenho ali uma espreguiçadeira. E, quando não vejo necessidade, sento-me com as pernas para fora da varanda... Ao leu, ou na grama fofa... De quando em quando, uma cerca de madeira está lá, para eu me apoiar nela... Posso colocar minhas pernas uma de cada lado de uma das hastes dessa cerca, ou as duas juntas, entre uma e outra... Pode ser também, que não haja cerca. Talvez apenas uma viga fina, acima da minha cabeça, sustentada dos dois lados pela coluna que segura o telhado acima de mim. Quando quero, sento-me sobre essa viga, apoiando os pés nas toras.

Acho que eu não mencionei que essa varanda é todinha construída em madeira, né? Como uma casa de campo, nos filmes hollywoodianos... E quando olho para cima, na direção da porta, vejo cabelos que flamulam ao vento. E sinto um perfume leve, que fica pouco mais intenso quando o vento sopra contra mim, passando por ela. Mas não é um cheiro real. É algo que eu criei para representá-la, para compensar a falta de rosto. Afinal de contas, como é uma lembrança muito antiga, minha companheira de varanda não passa de uma silhueta, contra a luz. De vez em quando ganhando cores, mas nunca um rosto inteligível. Eu sei que isso só acontece pela falta de contato físico que a distância nos impõe.

A varanda serve, para mim, como um exílio. Ao mesmo tempo, como um refúgio. É lá onde eu vou para pensar. Para sentir aquilo que não posso dividir com ninguém. E foi assim que a Jeanemeire encontrou esse lugar que para mim é sagrado. Porque no momento em que eu precisei dela, ela apareceu, bem de longe, pra ficarmos trocando confidência, nos nossos telefones de lata. Com um barbante de aproximadamente 2277km (isso se fosse em linha reta). Até que numa seção de "tele-hipnose", eu mostrei a ela, onde na memória dela, estava o portal para a varanda. Será que existe o termo "Tele-Hipnose"? Hihihi Acabei de inventar?

Depois de um tempo, é claro, nossos horários mudaram... Ela se cansou de me esperar na varanda, e algumas vezes eu sentia o seu cabelo passando por mim, quando eu saia e ela tinha acabado de voltar para dentro. O seu perfume ficava lá, por alguns segundos. Começamos a nos afastar... Perder contato. Algumas visitas depois, o cheiro dela já estava mais fraco, indicando que ela esteve ali, mas já saiu há algum tempo. Até que ela não apareceu mais. E a Varanda se tornou um lugar seco e abandonado. Lugar que, algumas vezes, eu me pego varrendo, com  uma vassoura de palha, enquanto me distraio da vida... Apoio o queixo sobre as mãos na ponta do cabo da vassoura de pé à minha frente, e vislumbro o horizonte, que nem sempre é  o meu futuro... Que, quando eu preciso, se torna o filme do meu passado... Em preto e branco, mudo, e com as falas em dálias, emolduradas nos quatro cantos... Ou com efeitos especiais e em 3D. Com legendas, ou dublado...

E a Varanda... Que costumava ser "Nossa Varanda", aparece somente no filme. Porque, nunca triste, embora vazia e solitária, esta voltou a ser a minha, e tão somente minha... Varanda.



Então...

...

Epifanias, pelo menos na minha vida, sempre foram marcadas por um completo vazio mental, em seguida da primeira torrente... Antes que a segunda torrente venha, vou dormir. Tenho muitas coisas a pensar, e estou pensando seriamente em passar a noite toda na Varanda.

Perfumes...

Minha memória não é fácil... Não é controlável... Não consigo nem mesmo associar nomes a rostos... Mas tem algo em cada ser, que pode se gravado em minha mente, bem como em meu coração, e que não pode nunca ser tirado de lá... Algo do qual eu já falei antes, e que torno a falar agora... Algo que cada pessoa tem, e embora tentem mudar, com marcas diferentes, títulos diferentes, ou estações diferentes, é pessoal e intransferível. E que, a partir do momento que se perde, no meu coração, essa pessoa perde, de certa forma, a relevância na minha vida: Vide Título do post!


Agora a pergunta: Por que estou falando disso? Que coisa pode ser tão interessante assim, no meu ofato canino? Bem... Nada, na verdade... Mas ninguém é obrigado a ler isso.

O fato é que, no meu emprego atual, eu vou a casa de muitas pessoas. Tenho acesso às intimidades de desconhecidos... Faço, de certa forma, parte da vida dessas pessoas. Mas nenhuma delas é realmente importante pra mim. Nenhuma delas tem cheiro. Nenhuma delas fica no meu coração. E quando alguma delas me pede ajuda, me contatando por meios nossos, tenho de olhar uma agenda, para ter certeza de onde a conheci.

Mas ainda tenho o dom do ofato. Ainda reconheço algumas pessoas pelo cheiro. Posso reconhecer meus pais, que tem o cheiro parecido com o meu. Posso reconhecer o cheiro da minha irmão, que não usa mais o mesmo perfume. (E devo acrescentar: quando sinto esse perfume em algum lugar, me lembro mais do tempo, ou seja, da fase da minha vida, quando ela o usava). Ainda é pelo ofato, que sei quando algumas pessoas estão para ressurgirem. Ainda outro dia, comecei a farejar uma amiga que eu não vi havia tempos... Não que eu tenha ficado fungando, ou dilatando as narinas, como o Wolverine! Não me imaginem tão animalesco assim... Apenas que senti aquele aroma tão familiar, e olhei para os lados, para saber se ela estava perto... Não estava. Mas me encontrei com ela, muito por acaso,  no dia seguinte na volta pra casa.

Da mesma forma, uma certa sensibilidade que tenho, ou como algumas pessoas preferem que eu diga: a mediunidade que eu exerço, um aroma familiar me veio ao encontro, num determinado momento, em que eu tive certeza de ser assunto, nos lábio de alguém. (E como é inútil, saber quem alguém fala de mim, se não sei o que estão dizendo... É como saber que dias de Sol são quentes no verão, no noite mais fria do inverno). Provocações colocadas de lado (não estou provocando... Minha curiosidade é que foi provocada), eu sabia quem era, especificamente, apesar de tanta gente que mora na mesma casa ter o cheiro parecido.

Pensar nesse assunto, me deixa com saudade de muitos outros perfumes... Muitas flores do meu jardim público, que foram colhidas pelos tempos transeuntes. Será que alguma delas lerá o que escrevi? E, mesmo que leiam, será que sequer imaginam, que delas falo? Bem... Pelo sim, ou pelo não, um abraço a todas... (Todas as flores, pois também há crisântemos e cravos, em meio a essas rosas e margaridas...).

E a todos um feliz natal, e um próspero ano novo!

Homenagem a uma amiga felina...

"Depois da hora de ir"

Sempre por lá, mas nunca por ali...
Hoje não está mais, porque precisava dormir...
Ignorando a saudade que estamos destinados a sentir...
Levando os desejos de todos aqueles que já fez sorrir...
Longe da vista, corações a ferir...
Agora já foi o tempo de despedir...

Jônathas Oliveira Ayres - 20/07/2012


Essa singela homenagem  é também para todos que sabem de quem estou falando...