segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Reconstrução

A vida segue. Uma jornada que fazemos caminhando. E, sem rodas, precisamos mover as pernas pra manter o movimento. Se paramos pra descansar, também paramos de avançar.

Não é com todos que acontece, mas comigo aconteceu. Nos avanços da vida, construi sonhos e, alguns, realizei. Tive de tudo que se pode ter na vida: família, trabalho, posses, mais sonhos...

Já tive uma esposa, que pela providência nunca conseguiu me dar filhos. Um apartamento, que também já chamei de casa. Carro. Nunca fiquei desempregado.

Mas, se a providência achou por bem que eu não tivesse filhos, talvez tenha considerado o que estava por vir.

Num dado momento da vida, parece que fui atingido por uma tempestade forte o bastante pra me levantar do caminho e me arremessar incontáveis passos atrás. Mas o retrocesso em si não teria sido tão ruim, se a queda não tivesse quebrado minhas pernas.

E então estava eu sem esposa, sem emprego, sem um lugar pra chamar de casa... Sem sonhos. E mais que tudo, machucado demais pra sequer voltar a caminhar.

De fato, vi um fim na vida. Nada mais fazia sentido. Eu estava sem forças pra me arrastar. E, por fim, tentei abandonar o caminho.

Não posso dizer se foi covardia ou a providência que me impediu de ir embora. Mas estranho muito que de tantos cortes que fiz no meu corpo (os não metafóricos), o único que deixou marca não é o bastante pra que alguém que o veja desconfie que eu mesmo o provoquei.

O que eu não percebia durante esse processo, é que Minhas fraturas calcificavam, meus cortes fechavam, os arranhões cicatrizavam. Como todo organismo vivo, o meu estava lutando pra continuar vivo.

Num dado momento, eu comecei a me mover. Um tempo depois, comecei a me levantar. Sem perceber, eu estava andando de novo. Sem muletas. Sem ajuda. Estava recuperado.

Hoje estou seguindo em frente. Do começo da minha jornada. Morando com os pais... Trabalhando... Tentando construir a vida, com um lugar que eu possa chamar de meu... Planejando o dia em que possa ter as minhas coisas... Meu lar... Meus sonhos.

Se vocês chegaram até aqui e leram com atenção, devem ter notado que eu disse que estou recuperado. Não estou curado.

Algumas vezes, quando estou andando concentrado demais no caminho à frente, sou lembrado do passado pelas dores que ainda sinto nas pernas. Algumas costelas também doem, as vezes, pra me lembrar que eu caí. Algumas vezes a dor faz parecer que não consigo respirar, pra no momento seguinte parecer que nunca aconteceram. Quase como se eu despertasse de um sonho ruim.

Mas essas dores já não me impedem de continuar caminhando.

Na verdade, minha bagagem, que fica cada vez mais pesada, não tem sido um fardo. Tenho a carregado como num treino, aumentando a dificuldade conforme me adapto ao peso.

É verdade que recuperei algumas pessoas que havia deixado. Mas ninguém que sai do rio pode voltar às mesmas águas. Nada será como antes. Os sentimentos tentam disfarçar, mas a alma sempre sabe. Temos instintos.

...

Acredito que existem momentos em que a solidão é a melhor companhia. Mas ainda é uma companhia que nos deixa só. Que bom que ela faz parte da minha bagagem. Que bom que eu aprendi a andar com ela. Que bom que ela não é mais uma companhia...

Assim, seguindo em frente, olho em volta de quando em vez, pra ver os caminhos de outras pessoas que se aproximam do meu. Aproveito os breves momentos em que parece ter alguém caminhando ao meu lado. E começo a desejar que chegue o dia e que algum caminho se junte ao meu. Torcendo pra que estejamos ambos prontos para seguir juntos até o fim. Mesmo que eu esteja pronto pra isso nunca acontecer. Mas, acontecendo, que naqueles momentos em que minhas pernas, ainda não curadas, falharem, eu tenha alguém pra me ajudar a seguir. E que eu possa, quando se fizer necessário, fazer o mesmo.

Eu já pedi a Deus por paciência e Ele me fez esperar. Já pedi forças e Ele me fez carregar outras pessoas. Já pedi fé e Ele me fez enxergar obstáculos. Pedi que me ensinasse a amar e Ele me deu inimigos. E quando eu pedi sabedoria, Ele se calou, pra que eu encontrasse as respostas por mim mesmo.

Hoje não peço mais nada. E espero, quando eu der o meu último passo, ser uma pessoa melhor.